“Tambor”. Simplesmente
tambor. Este foi o enredo que a Acadêmicos do Salgueiro levou para a Marquês de
Sapucaí em 2009. Simples só no nome por que o carnaval daquele ano era
considerado como o “carnaval da crise”; a crise financeira prejudicou muito os
desfiles das escolas de samba, mas o Salgueiro não transpareceu esta realidade.
Renato Lage, carnavalesco da escola, fez um grandioso carnaval a partir de um
enredo aparentemente simples, que muitos não deram credibilidade, muito menos
pensavam que era o enredo que faria o Salgueiro gritar, depois de dezesseis
anos, É Campeão! Um enredo que mostrou riqueza e revelou que um instrumento tão
simples pode virar enredo e levar o campeonato. A sabedoria popular do setor 1
se arrepiou e deu o seu veredito: é campeão, assim que o abre-alas entrou na
avenida. Ala a ala, carro a carro, era uma surpresa e emoção que levantava a
galera para esticar o corpo e ver o show que a escola apresentava. Um samba que
me faltam até palavras que tentarei expressar com a emoção que sentir assim que
o ouvir pela primeira vez.
“Vem no
tambor da Academia
Que a
furiosa bateria... Vai te arrepiar!
Repique,
tamborim, surdo, caixa e pandeiro,
Salve os
mestres do Salgueiro!”
Confesso: assim que ouvi o samba ainda nas
eliminatórias eu já considerava como o melhor samba daquele ano e por que não,
da escola. Também já imaginava o que o Salgueiro iria fazer na avenida. Um refrão
que chamava a multidão pra cantar junto com a bateria, ligação que a sinopse
pedia e que os compositores Moisés Santiago, Paulo Shell, Leandro Costa e
Tatiana Leite cumpriram muito bem. A sinopse estava no samba e o samba estava
na sinopse: tratava-se de um dos sambas mais completos já ouvidos na Sapucaí. A
poesia que o Renato trouxe no enredo foi detectada no samba enredo, que tinha
uma letra bem feita, harmoniosa, envolvente, acompanhando a melodia sem cometer
erros e exageros.
“O som do
meu tambor ecoa... Ecoa pelo ar!
E faz o meu
coração com emoção... Pulsar!
Invade a
alma... Alucina
É vida,
força e vibração! Vai meu Salgueiro... Salgueiro
Esquenta o
couro da paixão!”
A primeira estrofe lembrava muito bem e com muita
clareza o enredo, juntando a isso o início do desfile, o Salgueiro mostrou o
que é um desfile auto-explicativo e impressionou o público presente. A harmonia
da letra com as alegorias e as alas proporcionou aos espectadores um espetáculo
de arrepiar, fazendo daquele desfile o mais grandioso daquele ano. A escola foi
a segunda a desfilar e quem a sucedeu tinha a missão de superá-la, afinal, o
samba era tão “quente” que as mais de 4.000 vozes salgueirense entoaram o samba
com tanta força que não tinha quem não cantasse junto. Os primeiros versos “arrebentavam”:
a riqueza poética é tão grande que a escola que me emociona qualquer folião,
qualquer amante do carnaval e o som dos seus tambores.
“Ressoou da
natureza... Primitiva comunicação!
Da África...
Dos nossos ancestrais
Dos
deuses... Nos toques rituais
Nas
civilizações... Cultura
Arte, mito,
crença e cura!”
A melodia tem uma levada de samba de roda, na
palma da mão, e o show que a Bateria Furiosa de mestre Marcão deu foi
imprescindível. Não deixou o samba cair, não perdeu o compasso e não atravessou
o tempo na melodia. A preparação que ocorre para a entrada do refrão do meio é
bem trabalhada: os compositores não deixaram o samba se perder, nem perder sua
força e fizeram mais um refrão forte, empolgante, contagiando a todo público
presente.
“Tem
batuque... Tem magia... Tem axé!
O poder que
contagia... Quem tem fé!
Na ginga do
corpo... Emana alegria
Desperta
toda energia!”
E como vou expressar a segunda estrofe? Que palavra
devo usar? Encantadora, simplesmente, encantadora. A melodia desta parte seduz
nossos ouvidos a querer ouvir mais e mais. A melodia que sai do segundo refrão
entra em completa sintonia com a segunda parte do samba. A letra é de uma beleza,
revelando o tambor e a tradição, o seu fascínio e sua festa, envolvendo a todos
a ouvir as batidas desse maravilhoso instrumento.
“No folclore
a herança
No canto, na
dança... É festa... É popular!
Seu ritmo
encanta, envolve, levanta...
E o povo
quer dançar!”
O final é para fechar com chave de ouro: a melodia
prepara-se para retornar ao refrão principal transmitindo muita vibração. A letra
consagra-se e mostra o papel do tambor na sociedade. Uma samba muito bom. Se eu
tivesse que escolher uma palavra para definir este samba, o chamaria de
paradoxo, afinal, trata-se de um samba leve, porém forte; rico, porém suave; não
abusou de palavras muito pesadas e concretas de mais para uma doce poesia. Simplesmente
transmite a sensação que sentimos ao ouvir a batida de um tambor.
“É de lata,
é da comunidade,
Batidas que
fascinam
Esperança...
Social, transforma... Ensina!
Ao mundo seu um toque especial
É show... É samba... É carnaval!”
E com este samba primoroso que rendeu aos
salgueirenses o título do carnaval carioca em 2009, a Acadêmicos do Salgueiro é
a segunda colocada na nossa lista de Melhor Samba da Década.
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