sexta-feira, 3 de junho de 2011

Vem no Tambor da Academia


“Tambor”. Simplesmente tambor. Este foi o enredo que a Acadêmicos do Salgueiro levou para a Marquês de Sapucaí em 2009. Simples só no nome por que o carnaval daquele ano era considerado como o “carnaval da crise”; a crise financeira prejudicou muito os desfiles das escolas de samba, mas o Salgueiro não transpareceu esta realidade. Renato Lage, carnavalesco da escola, fez um grandioso carnaval a partir de um enredo aparentemente simples, que muitos não deram credibilidade, muito menos pensavam que era o enredo que faria o Salgueiro gritar, depois de dezesseis anos, É Campeão! Um enredo que mostrou riqueza e revelou que um instrumento tão simples pode virar enredo e levar o campeonato. A sabedoria popular do setor 1 se arrepiou e deu o seu veredito: é campeão, assim que o abre-alas entrou na avenida. Ala a ala, carro a carro, era uma surpresa e emoção que levantava a galera para esticar o corpo e ver o show que a escola apresentava. Um samba que me faltam até palavras que tentarei expressar com a emoção que sentir assim que o ouvir pela primeira vez.

Vem no tambor da Academia
Que a furiosa bateria... Vai te arrepiar!
Repique, tamborim, surdo, caixa e pandeiro,
Salve os mestres do Salgueiro!”
 

Confesso: assim que ouvi o samba ainda nas eliminatórias eu já considerava como o melhor samba daquele ano e por que não, da escola. Também já imaginava o que o Salgueiro iria fazer na avenida. Um refrão que chamava a multidão pra cantar junto com a bateria, ligação que a sinopse pedia e que os compositores Moisés Santiago, Paulo Shell, Leandro Costa e Tatiana Leite cumpriram muito bem. A sinopse estava no samba e o samba estava na sinopse: tratava-se de um dos sambas mais completos já ouvidos na Sapucaí. A poesia que o Renato trouxe no enredo foi detectada no samba enredo, que tinha uma letra bem feita, harmoniosa, envolvente, acompanhando a melodia sem cometer erros e exageros.

O som do meu tambor ecoa... Ecoa pelo ar!
E faz o meu coração com emoção... Pulsar!
Invade a alma... Alucina

 
É vida, força e vibração! Vai meu Salgueiro... Salgueiro
Esquenta o couro da paixão!”

A primeira estrofe lembrava muito bem e com muita clareza o enredo, juntando a isso o início do desfile, o Salgueiro mostrou o que é um desfile auto-explicativo e impressionou o público presente. A harmonia da letra com as alegorias e as alas proporcionou aos espectadores um espetáculo de arrepiar, fazendo daquele desfile o mais grandioso daquele ano. A escola foi a segunda a desfilar e quem a sucedeu tinha a missão de superá-la, afinal, o samba era tão “quente” que as mais de 4.000 vozes salgueirense entoaram o samba com tanta força que não tinha quem não cantasse junto. Os primeiros versos “arrebentavam”: a riqueza poética é tão grande que a escola que me emociona qualquer folião, qualquer amante do carnaval e o som dos seus tambores.   

Ressoou da natureza... Primitiva comunicação!
Da África... Dos nossos ancestrais
Dos deuses... Nos toques rituais





Nas civilizações... Cultura
Arte, mito, crença e cura!

A melodia tem uma levada de samba de roda, na palma da mão, e o show que a Bateria Furiosa de mestre Marcão deu foi imprescindível. Não deixou o samba cair, não perdeu o compasso e não atravessou o tempo na melodia. A preparação que ocorre para a entrada do refrão do meio é bem trabalhada: os compositores não deixaram o samba se perder, nem perder sua força e fizeram mais um refrão forte, empolgante, contagiando a todo público presente.  

Tem batuque... Tem magia... Tem axé!
O poder que contagia... Quem tem fé!
Na ginga do corpo... Emana alegria
Desperta toda energia!


E como vou expressar a segunda estrofe? Que palavra devo usar? Encantadora, simplesmente, encantadora. A melodia desta parte seduz nossos ouvidos a querer ouvir mais e mais. A melodia que sai do segundo refrão entra em completa sintonia com a segunda parte do samba. A letra é de uma beleza, revelando o tambor e a tradição, o seu fascínio e sua festa, envolvendo a todos a ouvir as batidas desse maravilhoso instrumento.

No folclore a herança
No canto, na dança... É festa... É popular!


Seu ritmo encanta, envolve, levanta...
E o povo quer dançar!

O final é para fechar com chave de ouro: a melodia prepara-se para retornar ao refrão principal transmitindo muita vibração. A letra consagra-se e mostra o papel do tambor na sociedade. Uma samba muito bom. Se eu tivesse que escolher uma palavra para definir este samba, o chamaria de paradoxo, afinal, trata-se de um samba leve, porém forte; rico, porém suave; não abusou de palavras muito pesadas e concretas de mais para uma doce poesia. Simplesmente transmite a sensação que sentimos ao ouvir a batida de um tambor.

É de lata, é da comunidade,
Batidas que fascinam
Esperança... Social, transforma... Ensina! 

Ao mundo seu um toque especial
É show... É samba... É carnaval!



E com este samba primoroso que rendeu aos salgueirenses o título do carnaval carioca em 2009, a Acadêmicos do Salgueiro é a segunda colocada na nossa lista de Melhor Samba da Década.













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