A Nenê de Vila Matilde lançou o enredo para o carnaval de 2012 em 28
de Maio numa festa emocionante e grandiosa. No mesmo evento, a escola anunciou
também o novo carnavalesco, Fernando Dias que já teve passagens pela Mangueira,
Viradouro, Mocidade Alegre, entre outras, e em 2009 realizou o carnaval da
Mancha Verde, além de também anunciar o seu novo intérprete, Celson Mody, o
Celsinho que neste ano defendeu o microfone oficial da Camisa Verde e Branco. As
expectativas para o próximo carnaval é grande, mas o carnavalesco sabe da
responsabilidade para com a escola: “A
Nenê pra mim, já era uma paixão antiga. Sei que tenho uma grande
responsabilidade com essa comunidade, mas vou fazer o meu melhor, podem ter
certeza”, declara o carnavalesco ao site oficial da Nenê. Agora é só viajar
na história com a sinopse do enredo, confiram.
Sou forra, mulher, rainha e
mineira. Vivi no Arraial do Tijuco, cidade dos diamantes das Minas Gerais, lá
pelos idos do século 18. Fui amada, respeitada, temida, odiada... Meu nome é
Francisca da Silva de Oliveira, simplesmente Chica da Silva, negra na cor e
mulher de muito valor.
Hoje, em minha paz celestial,
decidi dar uma grande festa para ilustres convidados, em homenagem a vitória da
liberdade, a literatura, a poesia, a música, ao teatro, ao samba... A cultura
dos negros brasileiros.
Nesta festa sem recato, no lugar
de navios negreiros teremos carruagens e liteiras douradas, no lugar da dor e
da tristeza teremos alegria, e no lugar de grilhões teremos tambores. Que soem
os tambores...
Personificada em minha vida e
história, da casa dos sambistas faço o meu castelo. Celebro a vida e a Águia da
Azul e Branca põe-te a voar, mostrando a glória desse povo que vive a sambar.
Por que hoje "No Palácio da Nenê a Festa é para Você. Chica Convida!"
Peço licença aos donos dessa casa.
Com o meu orgulho renovado recebo os meus filhos. Todos educados longe do seio
materno, meus "mestres de cerimônia" que trazem no olhar o afeto, a
alegria do nosso amor eterno.
Em respeito a Vossa História, meus
bambas de fato, que girem as suas "senhoras", suas Tias Baianas,
sigam o meu cortejo em devoção a Nossa Senhora do Rosário à tradição da coroa.
Bailam os negros no ritmo do Congado. Onde o Rei do Congo e a Rainha Ginga são
coroados... Em tempo de batuque, é dança pra todo lado, olubajé é o seu legado.
Mucamas, criados, atenção! São
muitos os afazeres... Movidos por um sentimento de conquista, glória e paixão,
cuidem com apreço dos vestidos, das perucas, das jóias à minha adoração. Como o
habitual, tragam flores e águas de cheiro. Enfeitem, de forma sem igual, as
paredes do palácio com tecidos coloridos, com palhas secas e fios de sisal.
Organizem as louças de porcelanas e preparem um maravilhoso banquete. Com um
toque africano e bem temperado, caprichem nos quitutes doces e salgados.
Músicos toquem, toquem, toquem... Como a suave brisa que embala a sinfonia dos
ventos, apresento-lhes o meu quinteto. Sob as obras musicais, sonatas,
transcritas para o meu folheto, trago com requinte e leveza a dança do minueto.
Rufam os tambores...
Alegria, alegria! Não é conto, nem
magia é Rei Zumbi que acabou de chegar. Cada qual com a sua verdade, Zumbi e
mil Palmares contra a atrocidade em nome da Liberdade. A virtude de tornar real
o sonho da alforria para muitos negros escravos é a sua lei. Entrelaçado em
ouro, das minas, eu, o desbravei... Nem tão pouco sonhei. Aplausos, para o
nosso glorioso Chico Rei.
Pressinto! E um repentino silêncio
se faz presente. Um trotar sublime e envolvente ganha espaço reluzindo-se como
uma estrela incandescente. É Dom Obá e Agotime, que a bordo de uma carruagem
resplandecente, chegam para desfrutar da alegria de toda essa gente.
Tudo acontece ao mesmo tempo.
Ganha movimento e os negros escravos vão se livrando dos seus tormentos. Brilha
a este espírito de consagramento, a altivez do que é incomum, a atitude à
eficácia, de uma "santa de olhos azuis". Chega, livrando-se da
mordaça, entre a luta e a sua audácia, a negra, que história batizou de Escrava
Anastácia.
"Não se ri do destino".
A sua arte floresceu dos sonhos de quando ainda era um menino... Esculpe e
dimensiona o seu cenário projetando ao mundo a tradução dos seus santinhos.
Isso tudo me fascina, assim, como contemplo a cultura em meu caminho, vou
saudando a criatividade de Antonio Francisco Lisboa, o nosso querido
Aleijadinho. Iluminem este palácio. As palavras vão dando conta do meu
prefácio. A persuasão ganha vida, meio a discursos, projetos e publicações, uma
revolução. Rumam à vitória da tão sonhada Abolição.
Para minha grande festa, de forma
exuberante e curiosa, tem gente que vem de barco, o meu maior fascínio. Recebam
o Almirante Negro, o engenheiro André Rebouças e o político José do Patrocínio.
Assim como sempre quis a essa altura, em noite de festa e de gente feliz,
personificado em verso e prosa, seu nome é Machado de Assis. Como em Memórias
Póstumas de seu personagem define sua diretriz: a cada poema, crônica, frase um
dissabor. Ora extraídos da dor, ora preenchidos com a docilidade deste grande
escritor.Entre linhas revelo o que sinto. O contemporâneo, ao meu olhar, deixou
de ser um mistério sucinto.
Sob a magnificência de um poeta,
dedicado às letras, descobri a Pátria Mãe gentil: Cruz e Souza o maior autor
simbolista do Brasil. Vamos celebrar a glória de um povo que sabe rezar. Tantas
origens de tal profusão. Tem batuque? É gira de candomblé. Lá vem Tia Ciata,
Mãe Menininha do Gantois ao culto sagrado, que faz da reza um canto, a cada mãe
de santo, um axé. Mas quem pode com mandinga não carrega patuá. Peço licença ao
Ketu, ao Jejê e ao Nagô, para louvar o Orixá da justiça, nosso Rei Xangô. O
conto que a gente canta é a história que o povo faz.
É o samba que os males espanta dos
sambistas imortais. Certo do me conduz, vamos cantar sambar ir além do que
propus. Unindo a moderna cultura negra brasileira à Mãe África com os belos
sambas de Clementina de Jesus.
Nesse reduto de bamba, onde tudo é
versado, vou deixando o meu recado. Entre o erudito e o popular ouço Clara
cantar, vejo Chiquinha Gonzaga, ao som do piano, abrir alas pro meu povo
passar. E sob a regência do maestro renomado, que de Carlos Gomes fora
batizado, contemplo um "Guarani" a descansar.
Não há aquele que não preste
atenção, na melodia de uma simples canção e não leve consigo o acorde
"Carinhoso" de Pixinguinha em seu coração. Um marco ou um dilema? É
Grande Otelo interpretando nas telas do cinema. Chega sem choro e sem dor, esbanjando
alegria, com suas diversas formas de fazer humor.
Um importante momento! Inicia o
primeiro ato da peça "Aruanda" dirigida por Abdias do Nascimento. Um
súbito encantamento toma conta de todos. E não é pra menos: elevar a autoestima
do negro brasileiro era o seu principal argumento. A grande festa é a
esperança, faz aliança é união. Com seu estandarte exalta a arte e acende as
luzes da imaginação. No passo desse compasso o samba se une numa apoteótica
celebração: Seu Nenê, Seu Inocêncio Mulata, Seu Carlão, Seu Pé Rachado e Dona
Madrinha Eunice a inspiração.
E desse encontro mágico e
universal chamado carnaval, bate forte o coração. A Nenê de Vila Matilde
confraterniza, entende as razões, que no mundo do samba vale-se muito quando se
respeita os pavilhões. Recebe Ismael Silva da Estácio de Sá, Cartola da
Mangueira, Dona Ivone Lara do Império Serrano, Seu Calça Larga do Salgueiro,
Paulo da Portela e estende nesta Avenida a sua maior paixão... De braços dados
desfila o enredo do seu samba, ao lado desses eternos guardiões. Celebrem,
cantem forte, ninguém há de duvidar, que a Nenê é Chica da Silva e Chica da
Silva é Nenê! Porque nascemos pra brilhar.
Carnavalesco - Fernando Dias
Pesquisa e texto - Marcos Roza
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